A
PESSOA ALFABETIZADA E NÃO LEITORA É ANALFABETIZADA[1]
Autora: Judy Rosas
Apesar
dos estudos realizados pelos que fazem, pensam, organizam, financiam e gerem a
educação (pelo menos é de se esperar que tais sujeitos tenham, ao menos,
construído competência técnica para enfrentar os dilemas com os quais nos
defrontamos), um persistente problema educacional tem provocado certa ‘comoção’
e espanto, como atestam os noticiários ao informar dados alarmantes acerca da
insuficiente proficiência em leitura e escrita das crianças matriculadas no 3º
ano do ensino fundamental das escolas públicas brasileiras.
Como
se tentando entender, são realizadas entrevistas com estudiosos e gestores da
educação, são mostrados, festivamente, projetos de leitura, crianças aparecem
em depoimentos falando que ler é bom.
O
problema é que quando se pensam sobre alternativas que de fato promovam a
alfabetização e a formação de pessoas leitoras, esquece-se de abordar tal
questão como resultado de múltiplos condicionantes práticos.
A
problematização do problema da leitura deve partir da tentativa de responder
questões relacionadas ao interior da escola, mas também há que considerar o
contexto no qual ela se insere.
Além
disso não devemos esquecer que a leitura não é uma finalidade em si. Ela é, por
excelência, elemento mediador e necessário à compreensão do sujeito e do mundo
(que o faz e que por ele é produzido). No entanto, esta função torna-se frágil
se não lhe for incluído que ler
também deve ser propiciador de deleite.
Um
dos curiosos resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada
em 2016, é certamente a discrepância existente entre os resultados das
insuficientes proficiências em leitura e
escrita.
De
acordo com a média nacional em leitura, 54,7% das crianças demonstraram
insuficiência. Em escrita estas representam 34%.
O
que, então, é escrever e não ler?
Onde
tem origem este anômalo descompasso?
Professoras
e professores têm ensinado a ler letras em detrimento da compreensão do texto
que estas, juntas, formam?
Parece
que existe na alfabetização uma ênfase no reconhecimento das letras, que não é
acompanhada da apropriação da sua “alma”: o texto, carregado de sentidos e
significados.
Daí
que podemos concluir que o ‘treino’ da letra não conduz à leitura.
Outras
perguntas saltam diante de nós, à procura de entendimento.
Por
que a instituição alfabetizadora – a escola – não é formadora de leitores?
Por
que a prática da leitura representa um ritual do dia letivo que longe está de
representar uma parte interessante da aula?
Por
que o livro didático dos anos alfabetizadores têm textos tão longos?
Por
que não tornar a leitura uma atividade que além de necessária pode (e deve) ser
prazerosa?
Por
que, da brincadeira e da atividade física, a leitura emerge como estranha ou
imediatamente desarticulada?
E
as artes como a pintura e o desenho, o cinema, o teatro, as histórias em
quadrinhos, por que não se resgatam as suas afinidades com a leitura? Afinal,
leitura não é literatura.
Por
que a insistência de escolher temas e ‘interesses’ para os e pelos chamados
sujeitos da educação, retirando o seu protagonismo?
Por
que quem não aprende a ler, majoritariamente, é pobre?
Há
algo muito estranho ainda: por que as pessoas aprendem a ler e não aprendem a
gostar de ler?
Para
além da alfabetização, que deveria inserir a criança no universo da leitura,
existe a necessidade de formar a pessoa leitora.
A
formação da pessoa leitora exige um conjunto de ações, em todos os recantos da
escola e da comunidade, que tenham a regularidade como diretriz. Para que isto
aconteça, é fundamental compreender que ações e eventos esporádicos sempre
serão insuficientes e, caso tais procedimentos e as concepções que lhes servem
de fundamento não passem por profunda revisão, o desastre da insipiência da
leitura, por dentro da escola, será reproduzido.
SITUAÇÃO DA LEITURA NO BRASIL...
ou a questão da insipiência da leitura no Brasil.
QUADRO
1 – ELEITORADO BRASILEIRO POR GRAU DE INSTRUÇÃO/2016
ANALFABETO
|
ENS. FUND. INCOMPLETO
|
LÊ E ESCREVE
|
TOTAL
|
|
BRASIL
|
6.950.388
(4,7%)
|
41.371.819
(28,2%)
|
15.470.653
(10,5%)
|
43,4%
|
NORDESTE
|
3.402.479
(8,6%)
|
10.896.169
(27,7%)
|
6.933.420
(17,6%)
|
53,9%
|
JOÃO
PESSOA
|
9.254
(1,9%)
|
90.293
(18,4%)
|
23.960
(4,9%)
|
25,2%
|
RECIFE
|
17.062
(1,5%)
|
218.317
(19,5%)
|
42.142
(3,7%)
|
24,7%
|
PIRANHAS
|
1.935
(11,2%)
|
5.402
(31,4%)
|
4.029
(23,4%)
|
67%
|
Fonte: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatística do eleitorado por sexo e grau
de instrução. Brasília, 2016. Disponível em:
.
QUADRO
2 – DIFICULDADES QUE TEM AO LER (%)
Dificuldades
|
2007
|
2011
|
2015
|
Lê
muito devagar
|
16
|
19
|
20
|
Não tem paciência para ler
|
11
|
20
|
24
|
Tem problema de visão ou outras limitações
físicas
|
8
|
13
|
17
|
Não tem concentração suficiente para ler
|
7
|
12
|
11
|
Não compreende a maior parte do que lê
|
7
|
8
|
8
|
Não
sabe ler
|
15
|
9
|
10
|
Não tem dificuldade alguma
|
48
|
43
|
33
|
Fonte: Fundação Pró-Livro. 4ª
Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 2016, p.231.
QUADRO 3 – GOSTO PELA LEITURA/ GOSTA DE
LER? (%)
2007
|
2011
|
2015
|
|
Gosta muito
|
28
|
25
|
30
|
Gosta um pouco
|
39
|
37
|
43
|
Não gosta
|
23
|
30
|
23
|
Fonte: Fundação Pró-Livro. 4ª Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil,
2016, p.202.
- CRIANÇAS DE 6 A 14 ANOS NA ESCOLA
98,2% (2012)
-
A REGIÃO NORDESTE, SOZINHA, RESPONDE PELA EXISTÊNCIA DE 52% DO TOTAL DAS
PESSOAS ANALFABETAS ABSOLUTAS, COM 15 ANOS E MAIS (IBGE, CENSO 2010).
[1] Texto base para a discussão sobre
a situação da leitura no Brasil (o caos apresentado pela ANA 2016).
0 comentários:
Postar um comentário