quarta-feira, 1 de novembro de 2017

A PESSOA ALFABETIZADA E NÃO LEITORA É ANALFABETIZADA



A PESSOA ALFABETIZADA E NÃO LEITORA É ANALFABETIZADA[1]
Autora: Judy Rosas

Apesar dos estudos realizados pelos que fazem, pensam, organizam, financiam e gerem a educação (pelo menos é de se esperar que tais sujeitos tenham, ao menos, construído competência técnica para enfrentar os dilemas com os quais nos defrontamos), um persistente problema educacional tem provocado certa ‘comoção’ e espanto, como atestam os noticiários ao informar dados alarmantes acerca da insuficiente proficiência em leitura e escrita das crianças matriculadas no 3º ano do ensino fundamental das escolas públicas brasileiras.
Como se tentando entender, são realizadas entrevistas com estudiosos e gestores da educação, são mostrados, festivamente, projetos de leitura, crianças aparecem em depoimentos falando que ler é bom.
O problema é que quando se pensam sobre alternativas que de fato promovam a alfabetização e a formação de pessoas leitoras, esquece-se de abordar tal questão como resultado de múltiplos condicionantes práticos.
A problematização do problema da leitura deve partir da tentativa de responder questões relacionadas ao interior da escola, mas também há que considerar o contexto no qual ela se insere.
Além disso não devemos esquecer que a leitura não é uma finalidade em si. Ela é, por excelência, elemento mediador e necessário à compreensão do sujeito e do mundo (que o faz e que por ele é produzido). No entanto, esta função torna-se frágil se não lhe for incluído que ler  também deve ser propiciador de deleite.
Um dos curiosos resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), realizada em 2016, é certamente a discrepância existente entre os resultados das insuficientes proficiências em leitura  e escrita.
De acordo com a média nacional em leitura, 54,7% das crianças demonstraram insuficiência. Em escrita estas representam 34%.
O que, então, é escrever e não ler?
Onde tem origem este anômalo descompasso?
Professoras e professores têm ensinado a ler letras em detrimento da compreensão do texto que estas, juntas, formam?
Parece que existe na alfabetização uma ênfase no reconhecimento das letras, que não é acompanhada da apropriação da sua “alma”: o texto, carregado de sentidos e significados.
Daí que podemos concluir que o ‘treino’ da letra não conduz à leitura.
Outras perguntas saltam diante de nós, à procura de entendimento.
Por que a instituição alfabetizadora – a escola – não é formadora de leitores?
Por que a prática da leitura representa um ritual do dia letivo que longe está de representar uma parte interessante da aula?
Por que o livro didático dos anos alfabetizadores têm textos tão longos?
Por que não tornar a leitura uma atividade que além de necessária pode (e deve) ser prazerosa?
Por que, da brincadeira e da atividade física, a leitura emerge como estranha ou imediatamente desarticulada?
E as artes como a pintura e o desenho, o cinema, o teatro, as histórias em quadrinhos, por que não se resgatam as suas afinidades com a leitura? Afinal, leitura não é literatura.
Por que a insistência de escolher temas e ‘interesses’ para os e pelos chamados sujeitos da educação, retirando o seu protagonismo?
Por que quem não aprende a ler, majoritariamente, é pobre?
Há algo muito estranho ainda: por que as pessoas aprendem a ler e não aprendem a gostar de ler?
Para além da alfabetização, que deveria inserir a criança no universo da leitura, existe a necessidade de formar a pessoa leitora.
A formação da pessoa leitora exige um conjunto de ações, em todos os recantos da escola e da comunidade, que tenham a regularidade como diretriz. Para que isto aconteça, é fundamental compreender que ações e eventos esporádicos sempre serão insuficientes e, caso tais procedimentos e as concepções que lhes servem de fundamento não passem por profunda revisão, o desastre da insipiência da leitura, por dentro da escola, será reproduzido.





SITUAÇÃO DA LEITURA NO BRASIL... ou a questão da insipiência da leitura no Brasil.


QUADRO 1 – ELEITORADO BRASILEIRO POR GRAU DE INSTRUÇÃO/2016


ANALFABETO

ENS. FUND.      INCOMPLETO

LÊ E ESCREVE

TOTAL
BRASIL
6.950.388 (4,7%)
41.371.819 (28,2%)
15.470.653 (10,5%)

43,4%
NORDESTE
3.402.479 (8,6%)
10.896.169 (27,7%)
6.933.420 (17,6%)

53,9%
JOÃO PESSOA
9.254 (1,9%)
90.293 (18,4%)
23.960 (4,9%)
25,2%
RECIFE
17.062 (1,5%)
218.317 (19,5%)
42.142 (3,7%)
24,7%
PIRANHAS
1.935 (11,2%)
5.402 (31,4%)
4.029 (23,4%)
67%
Fonte: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatística do eleitorado por sexo e grau de instrução. Brasília, 2016. Disponível em: .




QUADRO 2 – DIFICULDADES QUE TEM AO LER (%)
Dificuldades
2007
2011
2015
Lê muito devagar
16
19
20
Não tem paciência para ler
11
20
24
Tem problema de visão ou outras limitações físicas
8
13
17
Não tem concentração suficiente para ler
7
12
11
Não compreende a maior parte do que lê
7
8
8
Não sabe ler
15
9
10
Não tem dificuldade alguma
48
43
33
Fonte: Fundação Pró-Livro. 4ª Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 2016, p.231.
      
     QUADRO 3 – GOSTO PELA LEITURA/ GOSTA DE LER? (%)


2007
2011
2015
Gosta muito
28
25
30
Gosta um pouco
39
37
43
Não gosta
23
30
23
Fonte: Fundação Pró-Livro. 4ª Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, 2016, p.202.




- CRIANÇAS DE 6 A 14 ANOS NA ESCOLA 98,2% (2012)


- A REGIÃO NORDESTE, SOZINHA, RESPONDE PELA EXISTÊNCIA DE 52% DO TOTAL DAS PESSOAS ANALFABETAS ABSOLUTAS, COM 15 ANOS E MAIS (IBGE, CENSO 2010).



[1] Texto base para a discussão sobre a situação da leitura no Brasil (o caos apresentado pela ANA 2016).

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