UNIVERSIDADE
FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
JUDY MAURIA GUEIROS
ROSAS
PROJETO LÁ LI GIBI
E A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL
2016
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RESUMO
Entendemos que situações de leitura e escrita podem
se instaurar de múltiplas formas e em quaisquer espaços. Reconhecemos as
histórias em quadrinhos como gênero textual que favorece a leitura. Defendemos
que a biblioteca tem que ir onde estão pessoas não leitoras, para promover o
contato destas com o texto escrito. A ação acontece em escolas de ensino
fundamental localizadas em João Pessoa-PB e em Piranhas-AL. Dedicamos especial
atenção àquelas pessoas analfabetas absolutas ou funcionais. Em áreas amplas
nas comunidades montamos tendas nas quais são disponibilizados gibis e obras
literárias. Realizamos contação de histórias, cujos temas referem-se à questão
negra, e contribuem para deflagrar brincadeiras de ler e de escrever.
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Palavras chave: leitura;
biblioteca; igualdade racial; analfabetismo.
Apresentação
Partimos da compreensão de que a leitura possui um
caráter civilizatório e é ferramenta indispensável à emancipação dos sujeitos.
Articular a formação de leitores à promoção da igualdade racial resulta do
nosso entendimento de que as maiorias não leitoras, comprovadamente, possuem
como uma característica comum a condição de serem negras e pardas, indicador do
inacabado ciclo escravista no Brasil.
Realizaremos as ações do projeto na Escola
Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Antônio Santos Coelho Neto,
localizada na comunidade da Penha, em João Pessoa, e, em Piranhas-AL, município
onde está a sede física da Biblioteca Popular Riacho do Navio (BPRN), entidade
parceira neste projeto. Nesta cidade as ações terão lugar em duas escolas
públicas municipais.
Objetivamos valorizar do protagonismo dos negros
para a formação da sociedade brasileira, destacar as HQs como gênero textual
que favorece o desenvolvimento do hábito da leitura, reforçar o entendimento da
leitura como algo prazeroso e necessário. Emprestaremos obras do acervo da
Biblioteca Popular Riacho do Navio, cuja sede física está localizada em
Piranhas, e, com isso, levaremos a biblioteca onde pessoas não leitoras estão.
Durantes as ações disponibilizaremos cerca de 700
histórias em quadrinhos (HQs) para leitura, realizaremos sessões de contação de
histórias que abordem a temática da valorização da identidade negra, oficinas
de produção de HQs e brincaremos de ler e escrever, com crianças e jovens do
ensino fundamental, especialmente com aquelas matriculadas em turmas do 3º ao
5º anos.
Na escola localizada em João Pessoa, o projeto Lá
Li Gibi acontecerá com periodicidade quinzenal. Nas escolas de Piranhas, as
ações devem acontecer mensalmente. É importante destacar que a escolha dos
locais onde executaremos esta ação se deve, hoje, à necessária continuidade do
trabalho que iniciamos anteriormente. Na comunidade da Penha, iniciamos o
projeto Lá Li Gibi no ano de 2014. Em Piranhas, as ações foram inauguradas em
2015, nas mesmas escolas anteriormente mencionadas.
A comunidade da Penha, localizada na periferia de
João Pessoa, está situada à beira mar, tem na pesca e no comércio suas principais
atividades econômicas. É nesta localidade que se encontra o santuário de Nossa
Senhora da Penha, cuja tradicional procissão acontece desde o ano de 1743. Além
das peixarias, bares, pequenos estabelecimentos comerciais e igrejas, há a
escola pública municipal, associação comunitária, posto de policiamento,
Unidade de Saúde da Família e terminal do ônibus, cuja linha leva o nome da
comunidade. Outra questão fundamental é o reconhecimento de que tal comunidade
é formada por pessoas majoritariamente analfabetas absolutas e funcionais.
Piranhas está localizada no sertão alagoano, às
margens do Rio São Francisco. Por sua beleza natural, pelo destaque econômico
que alcançou na virada do século XIX para o XX, durante os ciclos do couro e do
algodão, e por uma forte ligação com os acontecimentos resultantes do ciclo do
cangaço no sertão nordestino, foi tombada, na década de 1990, pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como Patrimônio Histórico e
Paisagístico Nacional.
Apesar de ser um dos principais destinos turísticos
do estado de Alagoas, Piranhas convive com uma população majoritariamente
analfabeta e subempregada, visto que o modelo de desenvolvimento nela
desencadeado não absorve a maioria populacional. Além disso, paulatinamente
percebemos a decadência da atividade pesqueira, vocação natural em virtude da
sua localização ribeirinha, especialmente pela forma predatória como as suas
águas são aproveitadas, cujas expressões principais é a existência de 9 usinas
hidrelétricas da nascente à foz (na divisa Piranhas/AL – Canindé do São
Francisco/SE está a Usina Hidrelétrica de Xingó) e a faraônica obra da
transposição das águas do Rio São Francisco, realizada sem considerar os
estudos sobre o seu impacto e negligenciando sobre a implementação de ações
para a necessária revitalização deste
rio.
Este projeto será executado no formato de oficinas. Para implementar os
processos de execução e de avaliação permanente do projeto, contaremos com a
participação de estudantes de cursos de graduação da UFPB. Presentemente, fazem
parte do projeto discentes graduandos dos cursos de Pedagogia,
Letras/Português, Letras/Francês, Licenciatura em Artes Visuais,
Biblioteconomia e Jornalismo.
Justificativa
A experiência de ver com olhos apurados o quão
dramático é não saber ler e escrever num modelo de sociabilidade que, antes
mesmo de se consolidar, produziu a bandeira de educação para todos, encontra
outra forma extrema de estranhamento: saber ler e escrever e assumir não gostar
ou não utilizar estas habilidades construídas.
Porém, que população é esta? Que outros aspectos
podemos identificar como comuns à generalidade dos sujeitos não leitores?
Para responder a tal questão é necessário
compreender, inicialmente, que, no Brasil, há problemas quanto à taxa de
cobertura da oferta à educação escolar, que, comprovadamente, aponta para o
fato de ainda não termos universalizado o acesso da população à escola na
‘idade certa’, e, especialmente, a sua permanência.
Com o intuito de ilustrar tais afirmações
informamos que, de acordo com o IBGE (2015), existem ainda no Brasil cerca
quase 4 milhões de crianças entre 7 e 14 anos fora da escola. Importante
indicador de que a plena universalização do acesso à escola não foi concluída.
Também o dramatismo desta situação pode ser
identificado quando da abordagem do eleitorado brasileiro. De acordo, com
pesquisa realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral, divulgada em dezembro de
2015 (TSE, 2015), sobre o nível de escolarização do eleitorado brasileiro,
juntando os eleitores analfabetos absolutos, os que não concluíram o ensino
fundamental e os que afirmam apenas que sabem ler e escrever, estes representam
o percentual de 54,6% do eleitorado brasileiro. Na Região Nordeste corresponde
a 56,6%. Em João Pessoa somam 25,7%, e em Piranhas 67,9%. Acrescenta-se que a
região Nordeste, sozinha, responde pela existência de 52% do total das pessoas
analfabetas absolutas, com 15 anos e mais (IBGE, CENSO 2010).
No entanto, o analfabetismo e a subescolarização
não podem ser explicados apenas como expressões de insuficiência de
aprendizagens e de parco desenvolvimento das habilidades de ler e escrever.
Além disso, é necessário considerar que estes não são aspectos meramente
conceituais; são concretamente produzidos na esteira de relações de poder
historicamente construídas, que têm na desigualdade o seu fundamento.
Portanto, ao lado e intrínsecos a estes fenômenos
estão a pobreza, característica comum às pessoas que carregam algum tipo de
analfabetismo (absoluto ou funcional) e o ainda não concluído ciclo escravista
no Brasil, cujo maior obstáculo para o seu reconhecimento reside no falso
argumento da existência de uma “democracia racial” no Brasil, termo cunhado por
Gilberto Freyre, em 1933, na obra ‘Casa grande e senzala’ (2003).
Senão vejamos. De acordo com o Mapa da Violência
2015 “Alagoas, Paraíba, Espírito Santo e Distrito Federal são as unidades com
as maiores taxas de homicídio de negros por armas de fogo no país” (WAISELFISZ,
2015, p.80), sendo que em Alagoas e na Paraíba “há uma seletividade racial nos
homicídios por armas de fogo (...) para cada branco vítima de arma de fogo,
morrem mais de 10 negros” (p.81).
De acordo com o Conselho de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas (ONU), o mito da democracia racial mais esconde
que possibilita o reconhecimento do problema do racismo no Brasil, visto que
80% dos analfabetos brasileiros são negros, 64% das pessoas autodeclaradas
afro-brasileiras não concluíram a educação básica e das 16, 2 milhões de
pessoas que vivem em situação de extrema pobreza no Brasil, 70,8% são
afro-brasileiras (UOL, 2016).
Um dado curioso é que apesar do sistemático
afastamento da população negra ao gozo dos benefícios resultantes da produção
material de riqueza e de suas correspondentes expressões sociais, culturais,
políticas e educacionais, a palavra gibi segundo dicionários da língua
portuguesa, é uma gíria que significa “meninote preto; negrinho”, e também se
refere ao gênero textual que propomos trabalhar (FERREIRA, 1986, p.849).
Faz-se, neste momento, oportuno informar que o
interesse central à ação que ora projetamos é justamente propiciar uma
experiência de estímulo à leitura a partir das várias formas de histórias em
quadrinhos. Por entendermos ser necessário incluir, para a formação do leitor
iniciante, recursos outros além do mero texto escrito, pois, desenhos e figuras
também podem exprimir um texto e um contexto, assim como podem contribuir para
a ampliação da compreensão do mundo que circunda o leitor.
Hila (2009) observa que compreender “significa ter
a capacidade de confrontar e entender as informações do texto somadas às
informações trazidas pelo leitor para a produção de uma nova informação”
(p.23). E é isto que pretendemos: expor as pessoas que ainda não desenvolveram
o hábito da leitura a um gênero textual que possa facilitar a síntese
necessária à leitura significativa.
Sobre o alcance das histórias em quadrinhos,
Lovetro (1995) informa que “o encanto do desenho (...). O impacto visual é
sempre a ‘mola’ que move a vontade de ler. (...) Os sons transformados em
palavras são mágicos e dão a acústica da ação” (p.95).
Daí a nossa proposição em apresentar ao público que
elegemos tornar-se alvo das ações do projeto Lá Li Gibi e a Promoção da
Igualdade Racial, as histórias em quadrinhos.
Por fim, e não menos importante, há a necessidade
de discutir o papel da biblioteca e a situação deste tipo de equipamento de
disseminação de informação e conhecimento no Brasil.
Na terceira edição da pesquisa intitulada Retratos
da Leitura no Brasil, Pansa afirma que “não basta investir em bibliotecas se o
leitor não for cativado” (2011, p.9).
No entanto, existe uma quantidade reduzida de
bibliotecas no Brasil, que se expressa na média de bibliotecas por habitantes.
A média nacional em 2014, segundo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas
(SNBP), órgão vinculado ao Ministério da Cultura, era de uma biblioteca para
33mil habitantes. Em Alagoas havia uma biblioteca para 29.000 habitantes, e na
Paraíba havia uma para 17.000 (SNBP, 2014).
Hoje, esta situação pouco mudou e merece destaque a
baixa frequência de pessoas às bibliotecas que funcionam, em sua maioria, no
horário comercial e não permanecem abertas nos fins de semana e feriados.
Diante de tal situação inferimos que uma biblioteca
no Brasil, país em que o hábito da leitura ainda não foi democratizado e
universalizado por motivos anteriormente elencados, só alcançará pleno
funcionamento se for capaz de deflagrar um movimento que tenha início com o ir
além do seu próprio espaço físico para buscar aproximação com pessoas não
leitoras.
Problematização
Interessa-nos observar o impacto de uma biblioteca
cuja proposição é ir onde estejam as pessoas que não desenvolveram o hábito da
leitura, e isto reforça a nossa escolha pelas escolas e comunidades nas quais
executaremos as ações do projeto em tela.
Nosso projeto sustenta-se num tripé que I-
identifica a importância de proporcionar acesso e frequência às leituras de
caráter recreativo na tentativa de formar leitores; II- reconhece que a
biblioteca deve promover ações que visem o estreitamento do contato com a
população não leitora; III- compreende que é necessário problematizar o ser
negro no Brasil, conferindo destaque ao papel e importância histórica desta
população para a produção das riquezas e para a própria configuração do povo
brasileiro.
Das questões elencadas, problematizamos a situação
da leitura no Brasil. Para tanto, entendemos ser necessário imprimir reflexão e
práticas que apontem para a ressignificação da concepção de biblioteca, para a
importância de formar pessoas leitoras e para a necessidade de colocar na ordem
do dia a reflexão sobre o central papel do negro, ontem e hoje, na produção do
ser ‘brasileiro’.
Objetivos
Geral
·
Desenvolver o
hábito da leitura como instrumento de promoção de igualdade racial, através da
ressignificação do papel da biblioteca.
Específicos
·
Compreender a igualdade
racial enquanto fundamento para a construção de uma identidade negra positiva.
·
Ressignificar o
papel da biblioteca que em múltiplos espaços instaura situações de leitura e
escrita
·
Fomentar o
reconhecimento da leitura como atividade prazerosa e necessária, a partir do
gênero textual histórias em quadrinhos.
Referências
1.
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do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. 7
a 12: vamos conhecer o Brasil – nosso povo – educação. Brasília, 2015.
Disponível em: http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/educacao.html. Acesso em: 15
mar. 2016.
2.
______. Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. Censo
demográfico 2010. Brasília: 2011. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_Gerais_da_Amostra/resultados_gerais_amostra.pdf. Acesso em: 12 ago. 2016.
3.
FERREIRA, Aurélio
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língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
4.
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Editora Claraluz, 2009, p.151-194. Disponível em: http://www.escrita.uem.br/adm/arquivos/artigos/publicacoes/leitura_e_ensino/Claudia_Ressignificando_a_aula_de_leitura__livro_SIGET09%5B1%5D.pdf.
Acesso em: 1 mar. 2015.
6.
LOVETRO, José
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Acesso em: 26 out.2015.
7.
PANSA, Karine.
Prefácio. Pesquisa retratos da leitura
no Brasil. 3.ed. 2012. Disponível em: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf . Acesso em: 27
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8. SISTEMA NACIONAL DE
BIBLIOTECAS PÚBLICAS. Dados das
bibliotecas públicas no Brasil. Disponível em:
http://snbp.culturadigital.br/informacao/dados-das-bibliotecas-publicas/.
Acesso em: 23 jan. 2016.
9. TRIBUNAL SUPERIOR
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http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-grau-de-instrucao.
Acesso em: 9 jan. 2016.
10. UOL.
Genebra. 14 mar. 2016. Políticas de
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http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/03/14/politicas-de-igualdade-racial-fracassaram-no-brasil-afirma-onu.htm.
Acesso em: 15 mar. 2016.
11. WAISELFISZ,
Julio Jacobo. Mapa da violência:
mortes matadas por arma de fogo. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf. Acesso em: 17
nov. 2015.
Coordenadora: Judy Mauria Gueiros Rosas (DFE/Centro
de Educação)
Matrícula SIAPE: 1024873.
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