sexta-feira, 6 de maio de 2016

PROJETO LÁ LI GIBI E A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL / 2016




UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO

JUDY MAURIA GUEIROS ROSAS


PROJETO LÁ LI GIBI E A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL


2016
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RESUMO

Entendemos que situações de leitura e escrita podem se instaurar de múltiplas formas e em quaisquer espaços. Reconhecemos as histórias em quadrinhos como gênero textual que favorece a leitura. Defendemos que a biblioteca tem que ir onde estão pessoas não leitoras, para promover o contato destas com o texto escrito. A ação acontece em escolas de ensino fundamental localizadas em João Pessoa-PB e em Piranhas-AL. Dedicamos especial atenção àquelas pessoas analfabetas absolutas ou funcionais. Em áreas amplas nas comunidades montamos tendas nas quais são disponibilizados gibis e obras literárias. Realizamos contação de histórias, cujos temas referem-se à questão negra, e contribuem para deflagrar brincadeiras de ler e de escrever. 
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Palavras chave: leitura; biblioteca; igualdade racial; analfabetismo.

Apresentação
Partimos da compreensão de que a leitura possui um caráter civilizatório e é ferramenta indispensável à emancipação dos sujeitos. Articular a formação de leitores à promoção da igualdade racial resulta do nosso entendimento de que as maiorias não leitoras, comprovadamente, possuem como uma característica comum a condição de serem negras e pardas, indicador do inacabado ciclo escravista no Brasil.
Realizaremos as ações do projeto na Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Antônio Santos Coelho Neto, localizada na comunidade da Penha, em João Pessoa, e, em Piranhas-AL, município onde está a sede física da Biblioteca Popular Riacho do Navio (BPRN), entidade parceira neste projeto. Nesta cidade as ações terão lugar em duas escolas públicas municipais.
Objetivamos valorizar do protagonismo dos negros para a formação da sociedade brasileira, destacar as HQs como gênero textual que favorece o desenvolvimento do hábito da leitura, reforçar o entendimento da leitura como algo prazeroso e necessário. Emprestaremos obras do acervo da Biblioteca Popular Riacho do Navio, cuja sede física está localizada em Piranhas, e, com isso, levaremos a biblioteca onde pessoas não leitoras estão.
Durantes as ações disponibilizaremos cerca de 700 histórias em quadrinhos (HQs) para leitura, realizaremos sessões de contação de histórias que abordem a temática da valorização da identidade negra, oficinas de produção de HQs e brincaremos de ler e escrever, com crianças e jovens do ensino fundamental, especialmente com aquelas matriculadas em turmas do 3º ao 5º anos.
Na escola localizada em João Pessoa, o projeto Lá Li Gibi acontecerá com periodicidade quinzenal. Nas escolas de Piranhas, as ações devem acontecer mensalmente. É importante destacar que a escolha dos locais onde executaremos esta ação se deve, hoje, à necessária continuidade do trabalho que iniciamos anteriormente. Na comunidade da Penha, iniciamos o projeto Lá Li Gibi no ano de 2014. Em Piranhas, as ações foram inauguradas em 2015, nas mesmas escolas anteriormente mencionadas.
A comunidade da Penha, localizada na periferia de João Pessoa, está situada à beira mar, tem na pesca e no comércio suas principais atividades econômicas. É nesta localidade que se encontra o santuário de Nossa Senhora da Penha, cuja tradicional procissão acontece desde o ano de 1743. Além das peixarias, bares, pequenos estabelecimentos comerciais e igrejas, há a escola pública municipal, associação comunitária, posto de policiamento, Unidade de Saúde da Família e terminal do ônibus, cuja linha leva o nome da comunidade. Outra questão fundamental é o reconhecimento de que tal comunidade é formada por pessoas majoritariamente analfabetas absolutas e funcionais.
Piranhas está localizada no sertão alagoano, às margens do Rio São Francisco. Por sua beleza natural, pelo destaque econômico que alcançou na virada do século XIX para o XX, durante os ciclos do couro e do algodão, e por uma forte ligação com os acontecimentos resultantes do ciclo do cangaço no sertão nordestino, foi tombada, na década de 1990, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como Patrimônio Histórico e Paisagístico Nacional.
Apesar de ser um dos principais destinos turísticos do estado de Alagoas, Piranhas convive com uma população majoritariamente analfabeta e subempregada, visto que o modelo de desenvolvimento nela desencadeado não absorve a maioria populacional. Além disso, paulatinamente percebemos a decadência da atividade pesqueira, vocação natural em virtude da sua localização ribeirinha, especialmente pela forma predatória como as suas águas são aproveitadas, cujas expressões principais é a existência de 9 usinas hidrelétricas da nascente à foz (na divisa Piranhas/AL – Canindé do São Francisco/SE está a Usina Hidrelétrica de Xingó) e a faraônica obra da transposição das águas do Rio São Francisco, realizada sem considerar os estudos sobre o seu impacto e negligenciando sobre a implementação de ações para a necessária  revitalização deste rio.
Este projeto será executado no formato de oficinas. Para implementar os processos de execução e de avaliação permanente do projeto, contaremos com a participação de estudantes de cursos de graduação da UFPB. Presentemente, fazem parte do projeto discentes graduandos dos cursos de Pedagogia, Letras/Português, Letras/Francês, Licenciatura em Artes Visuais, Biblioteconomia e Jornalismo.

Justificativa
A experiência de ver com olhos apurados o quão dramático é não saber ler e escrever num modelo de sociabilidade que, antes mesmo de se consolidar, produziu a bandeira de educação para todos, encontra outra forma extrema de estranhamento: saber ler e escrever e assumir não gostar ou não utilizar estas habilidades construídas.
Porém, que população é esta? Que outros aspectos podemos identificar como comuns à generalidade dos sujeitos não leitores?
Para responder a tal questão é necessário compreender, inicialmente, que, no Brasil, há problemas quanto à taxa de cobertura da oferta à educação escolar, que, comprovadamente, aponta para o fato de ainda não termos universalizado o acesso da população à escola na ‘idade certa’, e, especialmente, a sua permanência.
Com o intuito de ilustrar tais afirmações informamos que, de acordo com o IBGE (2015), existem ainda no Brasil cerca quase 4 milhões de crianças entre 7 e 14 anos fora da escola. Importante indicador de que a plena universalização do acesso à escola não foi concluída.
Também o dramatismo desta situação pode ser identificado quando da abordagem do eleitorado brasileiro. De acordo, com pesquisa realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral, divulgada em dezembro de 2015 (TSE, 2015), sobre o nível de escolarização do eleitorado brasileiro, juntando os eleitores analfabetos absolutos, os que não concluíram o ensino fundamental e os que afirmam apenas que sabem ler e escrever, estes representam o percentual de 54,6% do eleitorado brasileiro. Na Região Nordeste corresponde a 56,6%. Em João Pessoa somam 25,7%, e em Piranhas 67,9%. Acrescenta-se que a região Nordeste, sozinha, responde pela existência de 52% do total das pessoas analfabetas absolutas, com 15 anos e mais (IBGE, CENSO 2010).
No entanto, o analfabetismo e a subescolarização não podem ser explicados apenas como expressões de insuficiência de aprendizagens e de parco desenvolvimento das habilidades de ler e escrever. Além disso, é necessário considerar que estes não são aspectos meramente conceituais; são concretamente produzidos na esteira de relações de poder historicamente construídas, que têm na desigualdade o seu fundamento.
Portanto, ao lado e intrínsecos a estes fenômenos estão a pobreza, característica comum às pessoas que carregam algum tipo de analfabetismo (absoluto ou funcional) e o ainda não concluído ciclo escravista no Brasil, cujo maior obstáculo para o seu reconhecimento reside no falso argumento da existência de uma “democracia racial” no Brasil, termo cunhado por Gilberto Freyre, em 1933, na obra ‘Casa grande e senzala’ (2003).
Senão vejamos. De acordo com o Mapa da Violência 2015 “Alagoas, Paraíba, Espírito Santo e Distrito Federal são as unidades com as maiores taxas de homicídio de negros por armas de fogo no país” (WAISELFISZ, 2015, p.80), sendo que em Alagoas e na Paraíba “há uma seletividade racial nos homicídios por armas de fogo (...) para cada branco vítima de arma de fogo, morrem mais de 10 negros” (p.81).
De acordo com o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), o mito da democracia racial mais esconde que possibilita o reconhecimento do problema do racismo no Brasil, visto que 80% dos analfabetos brasileiros são negros, 64% das pessoas autodeclaradas afro-brasileiras não concluíram a educação básica e das 16, 2 milhões de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza no Brasil, 70,8% são afro-brasileiras (UOL, 2016).
Um dado curioso é que apesar do sistemático afastamento da população negra ao gozo dos benefícios resultantes da produção material de riqueza e de suas correspondentes expressões sociais, culturais, políticas e educacionais, a palavra gibi segundo dicionários da língua portuguesa, é uma gíria que significa “meninote preto; negrinho”, e também se refere ao gênero textual que propomos trabalhar (FERREIRA, 1986, p.849).
Faz-se, neste momento, oportuno informar que o interesse central à ação que ora projetamos é justamente propiciar uma experiência de estímulo à leitura a partir das várias formas de histórias em quadrinhos. Por entendermos ser necessário incluir, para a formação do leitor iniciante, recursos outros além do mero texto escrito, pois, desenhos e figuras também podem exprimir um texto e um contexto, assim como podem contribuir para a ampliação da compreensão do mundo que circunda o leitor.
Hila (2009) observa que compreender “significa ter a capacidade de confrontar e entender as informações do texto somadas às informações trazidas pelo leitor para a produção de uma nova informação” (p.23). E é isto que pretendemos: expor as pessoas que ainda não desenvolveram o hábito da leitura a um gênero textual que possa facilitar a síntese necessária à leitura significativa.
Sobre o alcance das histórias em quadrinhos, Lovetro (1995) informa que “o encanto do desenho (...). O impacto visual é sempre a ‘mola’ que move a vontade de ler. (...) Os sons transformados em palavras são mágicos e dão a acústica da ação” (p.95).
Daí a nossa proposição em apresentar ao público que elegemos tornar-se alvo das ações do projeto Lá Li Gibi e a Promoção da Igualdade Racial, as histórias em quadrinhos.
Por fim, e não menos importante, há a necessidade de discutir o papel da biblioteca e a situação deste tipo de equipamento de disseminação de informação e conhecimento no Brasil.
Na terceira edição da pesquisa intitulada Retratos da Leitura no Brasil, Pansa afirma que “não basta investir em bibliotecas se o leitor não for cativado” (2011, p.9).
No entanto, existe uma quantidade reduzida de bibliotecas no Brasil, que se expressa na média de bibliotecas por habitantes. A média nacional em 2014, segundo o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP), órgão vinculado ao Ministério da Cultura, era de uma biblioteca para 33mil habitantes. Em Alagoas havia uma biblioteca para 29.000 habitantes, e na Paraíba havia uma para 17.000 (SNBP, 2014).
Hoje, esta situação pouco mudou e merece destaque a baixa frequência de pessoas às bibliotecas que funcionam, em sua maioria, no horário comercial e não permanecem abertas nos fins de semana e feriados.
Diante de tal situação inferimos que uma biblioteca no Brasil, país em que o hábito da leitura ainda não foi democratizado e universalizado por motivos anteriormente elencados, só alcançará pleno funcionamento se for capaz de deflagrar um movimento que tenha início com o ir além do seu próprio espaço físico para buscar aproximação com pessoas não leitoras.

Problematização
Interessa-nos observar o impacto de uma biblioteca cuja proposição é ir onde estejam as pessoas que não desenvolveram o hábito da leitura, e isto reforça a nossa escolha pelas escolas e comunidades nas quais executaremos as ações do projeto em tela.
Nosso projeto sustenta-se num tripé que I- identifica a importância de proporcionar acesso e frequência às leituras de caráter recreativo na tentativa de formar leitores; II- reconhece que a biblioteca deve promover ações que visem o estreitamento do contato com a população não leitora; III- compreende que é necessário problematizar o ser negro no Brasil, conferindo destaque ao papel e importância histórica desta população para a produção das riquezas e para a própria configuração do povo brasileiro.
Das questões elencadas, problematizamos a situação da leitura no Brasil. Para tanto, entendemos ser necessário imprimir reflexão e práticas que apontem para a ressignificação da concepção de biblioteca, para a importância de formar pessoas leitoras e para a necessidade de colocar na ordem do dia a reflexão sobre o central papel do negro, ontem e hoje, na produção do ser ‘brasileiro’.

Objetivos
Geral
·       Desenvolver o hábito da leitura como instrumento de promoção de igualdade racial, através da ressignificação do papel da biblioteca.
Específicos
·       Compreender a igualdade racial enquanto fundamento para a construção de uma identidade negra positiva.
·       Ressignificar o papel da biblioteca que em múltiplos espaços instaura situações de leitura e escrita
·       Fomentar o reconhecimento da leitura como atividade prazerosa e necessária, a partir do gênero textual histórias em quadrinhos.

Referências
1.     BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. 7 a 12: vamos conhecer o Brasil – nosso povo – educação. Brasília, 2015. Disponível em: http://7a12.ibge.gov.br/vamos-conhecer-o-brasil/nosso-povo/educacao.html. Acesso em: 15 mar. 2016.
2.     ______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. IBGE. Censo demográfico 2010. Brasília: 2011. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Resultados_Gerais_da_Amostra/resultados_gerais_amostra.pdf.  Acesso em: 12 ago. 2016.
3.     FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
4.     HILA, Cláudia Valéria Doná. Ressignificando a aula de leitura a partir dos gêneros textuais. In: NASCIMENTO, E.L. (Org.). Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino. 1.ed. São Carlos: Editora Claraluz, 2009, p.151-194. Disponível em: http://www.escrita.uem.br/adm/arquivos/artigos/publicacoes/leitura_e_ensino/Claudia_Ressignificando_a_aula_de_leitura__livro_SIGET09%5B1%5D.pdf. Acesso em: 1 mar. 2015.
6.     LOVETRO, José Alberto. Quadrinhos – a linguagem completa. Comunicação e Educação. São Paulo, jan./abr.1995. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/comueduc/article/view/36141/38861. Acesso em: 26 out.2015.
7.     PANSA, Karine. Prefácio. Pesquisa retratos da leitura no Brasil. 3.ed. 2012. Disponível em: http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf . Acesso em: 27 fev. 2016.
8.  SISTEMA NACIONAL DE BIBLIOTECAS PÚBLICAS. Dados das bibliotecas públicas no Brasil. Disponível em: http://snbp.culturadigital.br/informacao/dados-das-bibliotecas-publicas/. Acesso em: 23 jan. 2016.
9.  TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Estatística do eleitorado por sexo e grau de instrução. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/estatistica-do-eleitorado-por-sexo-e-grau-de-instrucao. Acesso em: 9 jan. 2016.
10.  UOL. Genebra. 14 mar. 2016. Políticas de igualdade racial fracassaram no Brasil, afirma ONU. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/03/14/politicas-de-igualdade-racial-fracassaram-no-brasil-afirma-onu.htm. Acesso em: 15 mar. 2016.
11.  WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência: mortes matadas por arma de fogo. Brasília, 2015. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/mapaViolencia2015.pdf. Acesso em: 17 nov. 2015.

Coordenadora: Judy Mauria Gueiros Rosas (DFE/Centro de Educação)
Matrícula SIAPE: 1024873.

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