O texto que segue foi premiado no 'Concurso Cultural Histórias de Educador', promovido pela Editora Moderna, no primeiro semestre de 2015.
Nele relato, resumidamente, uma experiência que vivi sobre o processo de produção de um jornal escolar, junto com garotos e garotas de uma turma de 4ª série. Isto aconteceu em 1987.
Espero que gostem... do texto e da vivência. Para nós, foi uma incrível viagem de escrever e de ler!
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Leitura,
escrita e sorriso: ferramentas para o jornal escolar
Judy Rosas
Há muito tempo sou
leitora compulsiva de jornal. Especialmente nos inícios da manhã. Ir ao
trabalho sem ter lido o meu jornalzinho é quase uma tortura.
Há muito tempo,
mas há menos tempo que o hábito de ler jornal, fiz concurso para professora das
séries iniciais do ensino fundamental na rede municipal de ensino do Recife.
Fui trabalhar numa turma de 4ª série.
O meu primeiro dia de trabalho foi o
último da outra professora que então se aposentava. Quando me apresentei como
sua substituta entregou-me uma pilha de provas. Que susto! Ela olhou para mim e
disse: “estou me aposentando e só tenho um conselho para lhe dar: não ria para
os seus alunos”. Estremeci. Como poderia uma professora, numa turma com 45 estudantes
de 10 a 17 anos, tempo bom de piadas e brincadeiras, não rir para e com eles?
Trilhei
caminho diverso e incluí aquele meu prazer à rotina da turma. Todas as
segundas-feiras eu levava para a sala de aula os jornais do sábado, do domingo
e o do dia oferecendo-os aos alunos para leitura. Percebi que meninos escolhiam
páginas esportivas e meninas preferiam o suplemento cultural que tinha
horóscopo, resumos de novelas e programação de televisão. Todos apreciavam ler
as páginas com notícias policiais.
Isto aconteceu por aproximadamente dois
meses. Neste tempo, para testar o interesse da turma pelos jornais, não os
dispunha imediatamente para consulta. Aí eles me perguntavam: “cadê os jornais,
professora?”. Esta pergunta me indicava que poderíamos ir mais longe.
Desde
então solicitei que eles, sempre em duplas, reescrevessem a matéria que mais
tinha chamado a atenção, e sempre em duas cópias. Uma era entregue à
coordenadora para que o repassasse à Secretaria de Educação. A outra era colada
na parede da sala de aula. Em pouco tempo o nosso jornal já era objeto de
comentário e de leitura por outras pessoas.
E não paramos por aí. Mais dois
meses e passei a pedir-lhes que trouxessem notícias da comunidade, da escola,
da rua onde moravam e escrevessem sobre o acontecido. Desde então tínhamos um
jornal, todas as segundas-feiras, sobre a vida vivida por eles, suas impressões
e interpretações. A essa altura a turma toda já se achava escritora.
Ademais, observei
que o retorno da aula de educação física era um momento especial: estavam todos
com sede, calor e agitados. Para que sossegassem, depois de merecidos goles
d’água, passei a pedir que escrevessem sobre aquela aula, que sempre era palco
de brincadeiras, jogos, brigas, provocações.
Escrever sobre o vivido é
reescrevê-lo na consciência, é organizar a experiência pelo repensar. Atitudes
estas tão importantes para a construção do homem e da mulher que em poucos anos
se tornariam. Mas não só isso: tornar a escrita uma ferramenta de comunicação e
de exposição de ideias foi o melhor ganho da turma. E confirmei quando ouvi de
tantos deles que no futuro seriam escritores.
O fato é que escrever para o
jornal os fez tornarem-se pessoas mais atentas ao ambiente em que viviam. Ao
escreverem sobre a temática da vida estavam interpretando o real, se
posicionando perante ele e refazendo-o. Nossa atividade ganhou repercussão na
escola, na comunidade, na Secretaria de Educação.
Hoje, percebo que
intuitivamente pusemos em prática a discussão fornecida por Paulo Freire, sobre
a indissociabilidade entre a leitura da palavra e a leitura do mundo.
Descobrimos que escrever é prazeroso e rimos juntos tantas vezes! Atuo como
docente no curso de Pedagogia e Licenciaturas, e não há semestre em que não reconto esta
história.
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