segunda-feira, 14 de março de 2016

Leitura, escrita e sorriso: ferramentas para o jornal escolar

O texto que segue foi premiado no 'Concurso Cultural Histórias de Educador', promovido pela Editora Moderna, no primeiro semestre de 2015.
Nele relato, resumidamente, uma  experiência  que vivi sobre o processo de produção de um jornal escolar, junto com garotos e garotas de uma turma de 4ª série. Isto aconteceu em 1987.
Espero que gostem... do texto e da vivência. Para nós, foi uma incrível viagem de escrever e de ler!
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Leitura, escrita e sorriso: ferramentas para o jornal escolar
 Judy Rosas

Há muito tempo sou leitora compulsiva de jornal. Especialmente nos inícios da manhã. Ir ao trabalho sem ter lido o meu jornalzinho é quase uma tortura.

Há muito tempo, mas há menos tempo que o hábito de ler jornal, fiz concurso para professora das séries iniciais do ensino fundamental na rede municipal de ensino do Recife. Fui trabalhar numa turma de 4ª série. 

O meu primeiro dia de trabalho foi o último da outra professora que então se aposentava. Quando me apresentei como sua substituta entregou-me uma pilha de provas. Que susto! Ela olhou para mim e disse: “estou me aposentando e só tenho um conselho para lhe dar: não ria para os seus alunos”. Estremeci. Como poderia uma professora, numa turma com 45 estudantes de 10 a 17 anos, tempo bom de piadas e brincadeiras, não rir para e com eles? 

Trilhei caminho diverso e incluí aquele meu prazer à rotina da turma. Todas as segundas-feiras eu levava para a sala de aula os jornais do sábado, do domingo e o do dia oferecendo-os aos alunos para leitura. Percebi que meninos escolhiam páginas esportivas e meninas preferiam o suplemento cultural que tinha horóscopo, resumos de novelas e programação de televisão. Todos apreciavam ler as páginas com notícias policiais. 

Isto aconteceu por aproximadamente dois meses. Neste tempo, para testar o interesse da turma pelos jornais, não os dispunha imediatamente para consulta. Aí eles me perguntavam: “cadê os jornais, professora?”. Esta pergunta me indicava que poderíamos ir mais longe. 

Desde então solicitei que eles, sempre em duplas, reescrevessem a matéria que mais tinha chamado a atenção, e sempre em duas cópias. Uma era entregue à coordenadora para que o repassasse à Secretaria de Educação. A outra era colada na parede da sala de aula. Em pouco tempo o nosso jornal já era objeto de comentário e de leitura por outras pessoas. 

E não paramos por aí. Mais dois meses e passei a pedir-lhes que trouxessem notícias da comunidade, da escola, da rua onde moravam e escrevessem sobre o acontecido. Desde então tínhamos um jornal, todas as segundas-feiras, sobre a vida vivida por eles, suas impressões e interpretações. A essa altura a turma toda já se achava escritora. 

Ademais, observei que o retorno da aula de educação física era um momento especial: estavam todos com sede, calor e agitados. Para que sossegassem, depois de merecidos goles d’água, passei a pedir que escrevessem sobre aquela aula, que sempre era palco de brincadeiras, jogos, brigas, provocações. 

Escrever sobre o vivido é reescrevê-lo na consciência, é organizar a experiência pelo repensar. Atitudes estas tão importantes para a construção do homem e da mulher que em poucos anos se tornariam. Mas não só isso: tornar a escrita uma ferramenta de comunicação e de exposição de ideias foi o melhor ganho da turma. E confirmei quando ouvi de tantos deles que no futuro seriam escritores. 

O fato é que escrever para o jornal os fez tornarem-se pessoas mais atentas ao ambiente em que viviam. Ao escreverem sobre a temática da vida estavam interpretando o real, se posicionando perante ele e refazendo-o. Nossa atividade ganhou repercussão na escola, na comunidade, na Secretaria de Educação. 

Hoje, percebo que intuitivamente pusemos em prática a discussão fornecida por Paulo Freire, sobre a indissociabilidade entre a leitura da palavra e a leitura do mundo. Descobrimos que escrever é prazeroso e rimos juntos tantas vezes! Atuo como docente no curso de Pedagogia e Licenciaturas, e não há semestre em que não reconto esta história.

          

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